Por que você está comigo?

Morena
4 min readDec 12, 2021

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— Você sabe que não é boa o suficiente pra ele, não é?

A pergunta vinha da ex do Hugo, a loira de 1,75 esculpida por deuses gregos: uma mistura abençoada por Dionísio e Áries. Ao lado dela, como partes da cabeça da Medusa, as irmãs aliadas compunham a roda de conversa. Na verdade, era uma sabatina.

Alice ia pela terceira vez a um jantar na casa dos pais de Rodrigo. Nas palavras da convidada, estava mais para uma mansão. Era o quinto evento da família nos últimos seis meses — houveram dois casamentos para apresentar esse maravilhoso apoio ao casal.

Sem Hugo ou sua irmã mais velha, Elena, Alice ficava indefesa. Exposta verbalmente a todos os medos que ela mesma já tinha projetado em sua cabeça enquanto ia construindo a melhor relação da sua vida com o homem dos seus sonhos.

“Estou perdida…”

— Ou por acaso você acha que o Hugo não vai perceber que vocês são de mundos completamente diferentes?

E eram mesmo. Alice fitou a taça de champagne em sua mão e contou por alguns segundos quantas vezes havia tomado algo tão caro. A resposta era clara. Todas as vezes que em que estava com o Rodrigo ou sua família. A não ser, claro, quando o encontro era na sua própria casa, na simplicidade da zona norte de São Paulo. Fora do conforto do mundo que dividiam entre os dois e entre as pessoas do trabalho, Alice ficava facilmente deslocada. Eram muitas etiquetas à mesa, muitos trejeitos nas falas e muitas marcas das quais nunca ouvira falar, elementos cujo domínio parecia ser pré requisitos para qualquer conversa bem sucedida entre os convidados da família Albuquerque. Ali, as leituras da faculdade ou o desempenho no trabalho não podiam ajudar.

—Sinceramente, não sei o que ele viu em você.

Alice também não sabia. Queria ter forças para dizer algo grosseiro e revidar as agressões que Priscila atirava desde o dia em que se conheceram. Queria contestar o fato dela tentar, da forma mais suja, recuperar terreno no espaço que sentia seu por direito. Mas, ao contrário do que o desejo de Alice podia aspirar, o coração da jovem não pode simular uma armadura. Como uma tempestade de verão, Alice respondeu:

—Sinceramente, Priscila, eu também não sei. Na verdade, me pergunto isso todos os dias. O que um homem lindo, bem sucedido, divertido e encantador pode ver numa mulher simples e dramática como eu? Talvez as pessoas sejam sinceras quando dizem que sou a mais inteligente da lista das namoradas dele, o que me daria alguma segurança. Mas isso não mantem os amores. Então o que é? Olhando para você é fácil saber que não sou a mais bonita. Olhando para a que veio antes de nós duas é fácil perceber que não é por dinheiro. Olhando para qualquer ponto dessa casa tenho certeza de que não é pela minha capacidade de ser elegante ou refinada. Então que raios o Hugo vê em mim? Como ele pode ter orgulho de apresentar aos pais alguém que ficou aqui até agora ouvindo você despejar seu arrependimento por não estar com ele? Como eu mesma posso merecê-lo se me deixo fazer chorar por algo tão simples como seu rancor? Eu não faço ideia, Priscila, eu sempre tive muito claro que toda empatia, carinho e cuidado do Hugo estão muito acima do que eu já imaginei pra mim. E por isso todos os dias eu tento ser a melhor que posso. Assim, quem sabe sendo melhor pra nós dois, um dia eu tenho uma resposta melhor pra suas perguntas. Com licença.

Alice, que já tinha os olhos marejados no início, terminou sua fala com a voz embargada e algumas lágrimas molhando as bochechas rosadas. Enxugou-as o mais rápido que pode e deu às costas a roda de garotas atônitas. Queria evitar que mais uma vez o Hugo tivesse de consolá-la. Por um momento, o grupo da sabatina pareceu verdadeiramente sensibilizado. Afinal, de insegurança com seu próprio ser está em infinitas experiências femininas.

De cabeça baixa, Alice não percebeu que sentado próximo à conversa estava Hugo. Assim que ela passou ao seu lado, ele a tomou pela mão e se levantou. Apesar da intenção de acolhimento, o susto em Alice fez a surpresa alimentar a raiva.

—Há quanto tempo está aí? — perguntou Alice secamente enquanto secava as lagrimas que voltavam a brotar.

— Desde que você é a mais inteligente. — Hugo deu um meio sorriso, aquele que sempre arranca um inicio de abertura de Alice. — De fato, achei que tivesse certeza disso.

Ainda desconfortável com a chance de que os pais de Hugo também a vissem tão vulnerável, Alice quis fugir daquela cena. Hugo, porém, foi o espelho de estabilidade que sua namorada precisava.

— Aceita vir comigo? — De mãos dadas, voltaram a roda da sabatina. Foi Hugo quem começou.

— Priscila, nossas famílias convivem juntas há bastante tempo. Em respeito a isso não posso expulsá-la dos nossos eventos. E se minha futura esposa não quis te dizer o que você merece ouvir, confio que nem esse feedback você esteja pronta para receber. Mas, de verdade, se você não aprender a se fingir agradável perto das pessoas que eu amo, te garanto que vai descobrir sozinha porque as pessoas tem se afastado de você. E, como a Alice me ensinou — Hugo colocou a mão no bolso e tirou um cartão reluzente — aqui o telefone de um ótimo psicólogo. Vai te fazer bem cuidar melhor dos seus sentimentos.

Alice estava desconfortável, de fato. Mas sentir-se defendida ainda era importante pra ela. E por essa noite, permitiu-se o cuidado.

— Obrigada. Fico meio surpresa com suas carteiradas — ambos deram risada. Afinal, tinha de servir pra alguma coisa ser um Albuquerque.

— Podemos comemorar mais um problema que passou na pista de dança? — Esse era o convite mais recusável para Hugo. Se viesse de qualquer outra pessoa.

Reunindo todo seu amor e sua inabilidade em dança, Hugo concordou, feliz.

— Aiaiai, o que eu não faço por você?

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Written by Morena

Eterna aprendiz na escrita e na vida adulta. Falo principalmente de (e com) amor, próprio e pelo outro.

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