Insatisfação. Incompletude. Está na natureza humana. O Tio Schopps falava disso, os niilistas também. Bem, até aí, metade da psicanálise. O desejo na falta. O constante incomodo da presença de algo indesejado. Ou a inquietação da falta daquela peça que deixaria um evento, encontro, dia ou emprego perfeitos. Talvez seja maior do que os humanos. Talvez seja uma lei do Universo que ativa o impulso de mudança em seres vivos para continuarem em movimento.
Por exceção que comprova a regra ou para dar um descanso a essas almas inquietas, é possível vivenciar exceções. Elas são esses momentos em que tudo está perfeito. Completo. Saciado. Em que não há necessidades ou faltas. Em que absolutamente tudo está bem. Só havia sentido isso duas vezes. O contentamento e a plenitude de que, sem tirar nem por, algo está (ou estava) perfeito.
Aconteceu quando fui oradora na formatura do 9º ano. Eleita para fechar a parte dos discursos dos alunos. Vi meu pai chorar de alegria… talvez pela primeira vez na minha vida. E vi a plateia com olhos brilhando, encantados com o que eu mais tarde descobriria ser minha maior força: comunicação.
Senti de novo quando estava de coração partido por um amor de verão. Nos conhecemos numa viagem, ele ia para o México e eu voltava para o Brasil. Eu não queria que tivéssemos continuado juntos. Não queria que nada da experiência fosse diferente. Até a dor do fim era bem-vinda para fechar com poesia aquele encontro eufórico.
Anos depois, senti com você, naquele bar. Antes do beijo que começou (essa parte da) nossa história. Ali, não havia nada mais. Não precisava de mais do que a sua companhia, não tinha pressa em chegar a algum lugar nem de viver alguma outra coisa que não aquela conversa.
Para uma ansiosa, esses momentos são tão grandes, que me fazem pensar se é isso que as filosofias orientais defendem quando dizem que devemos viver no presente. Será que a vida pode ser sempre tão absoluta?
Desde então, os momentos que passamos juntos sempre foram assim. Gigantes. Quando conversamos, meus pensamentos vão ganhando cores e formas, de folhas simples de papel a origamis, formando tsurus que se alvoroçam e asas que ganham vida. Vão enfeitando meu dia e ganhando vida eles próprios. Colibris. O tal do beija-flor.
E nesse colorido, nessa euforia típica dos encantamentos, me atinge a certeza de que é ilógico imaginar que isso tenha algum futuro. Como poderia? Como pode alguém ser tão alegre o tempo todo? Como pode alguém ter tudo?
Afinal, como você, eu teria completado o kit. Amigos, família, amor romântico, vida profissional e terapia em dia. Feliz, ou melhor ainda, em paz com todas elas. Com meus problemas, é lógico, mas a vida completa, sem tirar nem por.
(Dinheiro é sempre bem-vindo, mas confio que a nossa ambição vai nos levar lá.)
Por essa satisfação é que eu já poderia especular: estava claro que não poderia dar certo.
Vamos lá, pensemos. Se fossemos tão felizes, será que nos importaríamos tanto com trabalho? Será que colocaríamos tamanho foco na carreira e no desenvolvimento pessoal? Será que dedicaríamos energia suficiente a nossos queridos amigos? Será que planejaríamos viagens para conhecer novos lugares incríveis, que algo seria mais interessante para nós do que um ao outro? Qual seria o nosso motor de mudança se um com o outro somos tão completos? Se o que fosse(mos) o suficiente?
Claro, podem dizer alguns leitores, um dia vocês enjoariam um do outro. É uma possibilidade. Mas com nossa variedade de gostos, de assuntos e de interesses, será que essa probabilidade não é similar a invenção de todos os ritmos musicais possíveis?
Mesmo assim, outros podem argumentar, vocês conheceriam outras pessoas igualmente interessantes. Eu nem por um segundo discordo dessa possibilidade. Muito pelo contrário, desde que te conheci, tive a sorte de cruzar caminho com pessoas muito mais incríveis que nós dois juntos. E ainda assim, nenhuma delas me encanta tanto quanto você.
Mas, Morena, impossível ser feliz o tempo todo. Sim. Eu mesma passo vários estresses todo dia. E quero compartilhá-los com esse ser que gosto tanto.
E se isso virar dependência emocional, Morena? Altas chances, outro motivo para gente satisfeita demais junta acabar sendo afastada pelo… qual força será que faz isso? Acaso? Sorte? Destino? Universo?
Não acho que nenhum desses conspira contra a felicidade humana. Acredito apenas que eles nos guiam para nosso próprio desenvolvimento.
Sei que vamos nos separar. Temos caminhos diferentes a trilhar. Espero que nos levem a nossas melhores versões. Me doeu no início, mas não mudaria isso também. Gosto tanto de você que simplesmente não consigo desejar algo que mudasse esse caminho tão importante pra ti. Vou gostar ainda mais de nós quando passarmos por isso. E, talvez na próxima vida, estejamos prontos para nos encontrarmos de novo.
Porque nessa, claramente, não daria certo.