Sobre brigas e chás
- Eu não acredito que você fez isso de novo! Não é possível, esse cara sempre dá encima de você e toda vez você passa pano! Todo mundo sabe que ele é louco pra…
Entraram em casa assim, discutindo. Ela buscando a toalha para fugir para o banho e ele uma cerveja para fugir para o sofá. Previsível. Desde o bar ela sabia que essa briga ia acontecer. De novo. O chefe, um de seus melhores amigos, passou a noite toda conversando com ela. Falavam da empresa e da vida. Como ela e o namorado trabalham juntos, não via problema em deixá-lo com os amigos da equipe enquanto ajudava como podia. Apesar dos comentários, nunca viu na afinidade tais segundas intenções. E mesmo que visse, não faria diferença.
Por isso, cortou a frase no meio.
- Chega. Não aguento mais você com isso. A gente se dá bem e ele tá numa fase difícil desde que rompeu o noivado.
- E logo você vai lá consolar? Ele só quer uma brecha pra mostrar que é o cara certo e te levar pra Miami ou o raio que parta. Ele tá apaixonado!
- Ah, que ótimo! E você, ainda está?
Golpe baixo. Ela sabia. Ele também.
Toalha e cerveja nas mãos, paradas, uma de frente pra outra. Ainda surpresa com as próprias palavras, continuou num tom mais doce:
- O que ele sente por mim não faz diferença. O que faz diferença é o que sentimos por nós.
Deixou a toalha no sofá como quem deixa de lado uma armadura. Estendeu as mão pra ele. Esperou em silêncio. Pelos rostos se notava, a raiva de ambos dava lugar à consciência. Ele suspirou, deixou a cerveja na pia e pegou as mãos dela. Puxou-a pra perto e encostaram na bancada da cozinha.
- Você sabe que eu vou te amar pra sempre. E isso me assusta. Não quero ter uma crise de ciúmes por cada cara que é afim de você. Nem te deixar insegura quando eu falo com as meninas do marketing.
Ela ficou envergonhada. Ele pegou o ponto fraco. Sorriram.
Era difícil pros dois. Eles vinham de relações anteriores em que estavam sempre no limite, sempre lembrados de que amores são descartáveis. Desconstruir ideias, mesmo mentiras como essa, exige esforço. E paciência.
Aqueles olhos castanhos de busca e esperança olharam pra ela um pouco mais úmidos. Segurando pra não tremer a voz, ele perguntou:
- O que a gente faz agora?
Ela o abraçou. Sabia que essa era uma pergunta importante. E tudo que é importante precisa de tempo.
Virou-se, em poucos passos guardou a cerveja na geladeira e pegou dois saquinhos no armário. Estendeu um pra ele por cima da bancada. E respondeu:
- Chá. Vamos ficar quietinhos enquanto a água ferve. Deixar vir o que a mente quiser trazer. Vamos tomar o chá juntos. E vamos sentir para saber o que fazer. O que acha?
Ele levantou sorrindo. Beijou de leve o amor da sua vida. Ela se virou e colocou água numa caneca. Ele acendeu o fogo. Assistiram abraçados a água fever. Se perguntarem, vão dizer que demorou entre cinco minutos a uma hora.
Em seguida ele pegou as canecas, as favoritas de cada um. Ela abriu os saquinhos, colocou nas canecas e levou pro sofá. Sentaram de frente pra TV desligada. Ficaram em silêncio. No início meio constrangidos, mas depois se aproximando e se acolhendo na presença um do outro.
Acabaram o chá abraçados. Mais rápido do que esperavam. Deixaram as canecas na mesa. Viraram-se um para o outro. Foi a vez dela perguntar:
- O que a gente faz agora?
Ela sempre faz isso. Ele levantou, apagou uma luz e abriu a janela. Iluminados pela Lua, ele começou:
- Eu peço desculpas por surtar com algo que não ameaça nossa relação. Você desconversa seu ciúmes das meninas do trabalho (eles riem de novo). Eu assumo que ainda tô aprendendo a amar. Você também. A gente se compromete a continuar aprendendo junto. Prometemos ter paciência um com o outro. Você me dá um beijo e a gente faz um show pros vizinhos do outro prédio. O que acha?
Ela é pura felicidade. Sorri. Mas se mantém parada, pra que os dois possam absorver a força dessas ideias. E diz então o que sente, de forma a selar seu compromisso e resumir o acordo:
- É uma honra aprender a amar com você.
A Lua brilhou mais com os dois sorrisos que se acenderam naquele instante. E por pouco as canecas não quebraram com o show.