O meu tédio favorito

Morena
3 min readJan 16, 2023

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Foi horrível. Passei alguns dias na nova casa dele. É a terceira que eu conheço em dois anos. Não fizemos nada demais. Afinal, a casa enorme e ainda quase sem móveis não pode oferecer nada de muito novo, não é?

Cheguei no domingo, depois da minha viagem. Mandei mensagem e naquela resposta de “a casa está sempre aberta pra você” encontrei a justificativa pro meu impulso. E fui. Só uma troca de roupa na mochila, no dia seguinte já voltaria para minha casa.

Desci do Uber, ele abriu o portão e fomos direto pra cama. Não confunda, realmente dormimos. Ele, mais carinhoso do que em qualquer outro encontro. E eu, mais desconfiada.

Segunda feira. Acordamos e começamos pela sobremesa. Ele comprou o café da manhã, trabalhamos juntos e assistimos um jogo ruim na TV, enrolados no cobertor. Saí para comprar o presente do filho dele e algumas coisas pra comer. Acabei ficando pro jantar.

Terça feira. Quando acordei, já de manhã, concordamos que eu podia ir embora no almoço, assim ganhavamos mais uma horinha de sono. No almoço, ajudei a trocar algumas luzes da casa. Descobri o sótão. Discutimos quais espaços da casa deveríamos decorar — eu disse que todos, ele só quer nos tradicionais. Almoçamos tarde, vimos mais TV. Ele foi à noite ver o filho. Eu dei um pulo no bar e peguei um lanche pra comer.

Curti meu momento sozinha depois de tantos momentos com ele. Senti aquela liberdade gostosa de que eu não precisava dele pra aproveitar minha noite. Acostumada a vida de solteira, esses breves dias deram um pequeno gosto do tédio da vida a dois. Isso já me assusta o suficiente. Como se faz para viver todos os dias com a mesma pessoa, na mesma casa, dividindo rotinas calmas e não cair no vazio? Um respiro disso me fez questionar se meu envolvimento sobrevive ao tédio.

Ele chegou no final dessa reflexão:

Hello? — ele chamou da sala. Respondi do segundo andar, tentando imaginar se ele ficou feliz ou desapontado com a companhia por mais um dia.

Conversamos um pouco sobre a festa, vimos TV e dormimos. Acordei mais cedo que ele, determinada a ir embora. Pensando bem, acho que estava aterrorizada com a ideia de estar confortável ali e ser pega de surpresa por quando precisasse partir.

Como ele não acordava comigo levantando da cama, tirei uns minutos pra fazer algo que adoro: carinho. Pois é, sabe quando você passa os deles pelo cabelo ou pelo braço de alguém, só para dar uma boa sensação? Ele tem as mesmas bolinhas no braço que eu. Me diverti um pouco com isso até ele acordar.

Depois de trocarmos de roupa e eu recolher (quase) tudo que era meu do quarto, descemos. Meu carro já estava na porta. E ele comentou que estava muito gostoso o que eu fiz de manhã, que não estava totalmente acordado mas pode sentir.

Agora estou no meu quarto, já passou um dia todo dessa aventura entediante e assustadora. E eu entendi qual a locura acomete pessoas a ponto de fazerem dessas rotinas suas vidas.

Amor. Ele cria uma série de tédios favoritos. Energia para passar horas acariciando alguém. Paciência para trocar todas as lâmpadas da América. Criatividade para decorar o mundo com o capricho de Michelangelo pintando a Sistina.

É aterrorizador estar no quarto perfeito, criado por mim, onde fisicamente fico tão confortável e ainda sentir falta de reclamar da Copa América. É horrível sentir falta de certo tipo de tédio. Me dá medo admitir que com ele o frio na barriga ainda não passou, e por isso até o que eu já faço há dois anos ainda me dá vontade de repetir.

Mas, até que eu me apaixone de novo, ele continuará sendo meu tédio favorito.

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Written by Morena

Eterna aprendiz na escrita e na vida adulta. Falo principalmente de (e com) amor, próprio e pelo outro.

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