No shopping

Morena
2 min readJul 15, 2023

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É um lugar familiar e uma sensação familiar. Eu vinha aqui quando criança. Um shopping de classe média. O não pertencimento. Me falta grana pra ser daqui. Me sobram privilégios pra ser de lá. Me faltam grifes, me sobram opiniões.
Continua havendo muito familiar. As famílias, as lojas, o piso. A luminosidade, o consumo e osperfumes que me permitem fingir que não há nada fora das portas automaticas. O suave barulho de muitas vozes em alegria contida que se misturam e não atrapalham a concentração.
Diminuíram as livrarias. Aumentaram os restaurantes. As vitrines tentam expressar mais luxo. Não sei dizer se temos mais ou menos pessoas pretas do que tinham quando eu vinha com minhas amigas. Mas fico feliz em acreditar que temos mais. E que mesmo com a desigualdade se fazendo constante no Brasil, a resistência também se fortalece. Confesso que esperava mais paz para o fim do domingo. Ainda não consegui ver um lugar em que possa me sentar.
Então caminhei até aquela espécie de arquibancada elevada em que ia com a turma da escola. Crianças brincam no andar debaixo. Agora aqui é pet friendly. E eu não consigo me lembrar de como era andar com calma com meu pai aqui. Acho que aproveitei às voltas com a mamãe. A contemplação. Mas meu pai e eu compartilhamos a mesma pressa ao caminhar. Sempre algo pra fazer. O preparo, o estudo, o trabalho acho que nunca foram suficientes.
É curioso como as crianças podem derrubar essas barreiras de tempo, idade, classe social. Eu era assim aos 8. Nunca me vi em nenhuma desvantagem. Poderia até dizer que elas só passaram a existir na minha vida quando eu as notei. Como se eu as tivesse inventado. Será que podemos desinventar a realidade que identificamos e que nos faz mal?
Tem aquela loja em que a mãe do meu primeiro crush me deu uma manta. Tem aquele monte de meninos que hoje mal são memórias. Tem tudo aquilo que hoje é só história. Tem o prazer de caminhar sem ser vista numa cidade tão cheia de gente. É parecido com o lugar que eu frequentava. Mas, pensando bem, não é mais o meu familiar.

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Written by Morena

Eterna aprendiz na escrita e na vida adulta. Falo principalmente de (e com) amor, próprio e pelo outro.

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