A capitalização do tempo e a produtificação da felicidade me fazem perceber como ser feliz é revolucionário. Sempre foi. Mas o lucro com a depressão não existia antes de encapsularem doses de felicidade para mão de obra substituível. E felicidade como produto, na prateleira da farmácia e da loja virtual, tem mudado nossa busca.
Apesar de considerar essa ideia importante o suficiente, não é sobre ela esse texto. Esse texto é sobre vida e morte. Não essa vida e morte opostas pela biologia. Mas sim essas que são sensíveis ao olhar atento sobre expressões, pequenos gestos, que crescem no comportamento progressivo.
Estamos vivos. Eu e você, que conversamos agora. “Estamos vivos” também é uma música do Fábio Brazza. Eu a escutava voltando da faculdade. No metrô, seguindo parte do caminho que eu fazia antes do meu primeiro fim do mundo, mais ou menos no mesmo horário. E voltava me sentindo viva.
Percebi curiosa a sensação. Curiosa porque se opunha a sensação das manhãs, quando saio da cama e já passaram 24 do efeito do antidepressivo. Nessas horas arrastadas, tenho a sensação de que dormir seria a melhor coisa do meu dia. Que preferia o silêncio do sono ao caos do dia à frente. Nesses momentos estou em paz com a morte: aquele vazio de não mais existir não assusta tanto quanto a vida.
O dia passa e ao longo da minha jornada, a vida que há em mim felizmente vence. Ela me dá sorrisos e me lembra de tudo que eu amo. Ela me traz (ou me leva até) pessoas incríveis, situações engraçadas, crescimento e amor. Ela me leva a dar meu melhor em projetos no trabalho, me faz aluna outra vez, me dá a chance de ser gentil com quem me pede ajuda.
Ao final do dia, eu durmo acreditando que amanhã será melhor. E acordo no dia seguinte. Por vezes apenas para repetir o ciclo, outras para desfrutar um pouco mais da felicidade. Isso não importa agora. Se amanhã estarei feliz ou triste, não posso prever. Por isso, enquanto dure, divido contigo agora: estamos vivos.
Vivos. Dentre todas as possibilidades de compor a mistura de átomos que resultasse em planta, em ar, em pedra. Estamos vivos. Estamos respirando. Estamos evoluindo ou pelo menos, sendo parte da evolução humana. Estamos lutando pela nossa própria humanização e felicidade. E seguir vivos, além de vitória, já é o prêmio.
Eu não conheço muito da história do Brazza, mas ele me inspirou quando se abriu sobre uma fase emocional difícil. Lembro dele com frequência. E de como podemos querer mais coisas boas sem ignorar as coisas difíceis. Por isso, entrego a esse trecho o fechamento desse texto. “Odin” é uma música forte, dura, real. E nessa continuação da minha playlist, me senti acolhida. Mesmo quando vemos as coisas que nos entristecem, podemos não desistir.
“A tristeza faz o homem perder o brilho
E a vida perder o trilho
Mas nem todos tristes apertam o gatilho”