Dos silêncios

Morena
2 min readJan 24, 2022

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“ Nossa, que surpresa, esse silêncio é diferente.”

Eu sorri, olhando pra baixo. Não costumo ficar constrangida na mesa do bar, especialmente em encontros. No geral ninguém toca em pontos delicados quando está tentando levar uma mulher pra cama.

Mas naquela noite de verão, com mais bebida do que comida sobre a mesa, eu estava mesmo desconfortável com onde a conversa chegou. Em mim. Nesse ponto que tenho lutado pra encobrir nos últimos meses ou anos. Que nem precisava ser um trauma da adolescência ou uma dura previsão futura. Falávamos de pequenas dores cotidianas. E meu distanciamento foi cedendo lugar a um conforto com ser ouvida que me deixou exposta. Então é essa a tal da vulnerabilidade.

Ele continuou, segurando o copo de cerveja:

“Olha aí, e está mesmo sem palavras, nem acredito!”

E riu. Afinal, finalmente eu sentia o gosto do que faço com ele tantas vezes. Experimentava a experiência de ser traduzida pelo olhar de alguém com precisão. Bem, alguém que não fosse minha terapeuta.

Tentei articular alguma coisa pra sair daquela posição desvantajosa, essa em que não tinha o menor controle sobre o que ia acontecer. No início só saiu ar. Um suspiro com tom de desabafo. E em seguida, algo como:

“É isso. Tô desconfortável. É difícil pra mim falar disso.”

Ele me olhou com carinho, com aqueles olhos de quem realmente viu uma cena em seus mínimos detalhes. Como quem admira uma obra de arte e entende o que o artista quis transmitir. Como quem lê um outro alfabeto com precisão enquanto os demais ao redor nem sabe se estão olhando para o lado certo do papel. E disse que tudo bem. Bebemos mais um gole e continuamos intercalando histórias divertidas com crônicas sobre nossas cicatrizes.

A noite correu sem mais picos de fragilidade. Ele me deixou em casa. E na despedida, onde meu risco de sentir demais é mais forte, tive mais uma surpresa. Um comentário simples sobre ele não querer que eu me sentisse sozinha só porque ele estava indo.

Bum! Lá vai mais um tijolinho desse muro, caindo morro abaixo. Parece que posso vê-lo, divertidamente, rolando para longe da construção que eu não sei mais por quanto tempo vai aguentar. Aquelas palavras, por uma noite toda, foram a única companhia que eu precisei.

Abri a porta de casa. O silêncio costumeiro me esperava. Mas ele soava incomum. Diferente do que acontece em encontros vazios, me senti bem. Como se aquela companhia ainda estivesse comigo. E acho que estava. Quando a gente se partilha com o outro, acho que fica um pedacinho nosso lá. E um pedacinho do outro na gente.

E o silêncio que estava na minha casa quando eu cheguei tinha esse som. De companhia confiável. Era bem mais leve que o silêncio da desconexão. Era paz.

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Written by Morena

Eterna aprendiz na escrita e na vida adulta. Falo principalmente de (e com) amor, próprio e pelo outro.

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