A intensidade das sensações parece ser uma constante entre escritores. Claro, se não cabe no peito, transborda ao papel. Isso sempre me pareceu justificar que 80% (ou mais) do que já escrevi está relacionado a minhas paixões — pelo lindo ou pela dor desses momentos.
Até que adotei a Baunilha. Ela é minha gata. Uma frajola de 3.5kg, com pequenas manchinhas pretas numa pelagem branquinha (que fica meio cinza quando ela insiste em passear no corredor do prédio). A Baunilha dorme quase o dia todo, come a beça e adora brincar com meus elásticos de cabelo. É só isso. Ela não se rende a comandos, não gosta de colo nem segue nada além do próprio respeito às suas necessidades. E isso é incrível.
Entre as mil reuniões e tarefas do dia, num dos poucos dias em que trabalhei de casa, fui olhar a Baunilha dormir. Me deitei ao lado dela. Envolvi minha pequena bola de pelos com meu braço esquerdo, sem movê-la. Ela deitou a cabeça na minha mão. E ficamos assim uns dez minutos. Ela abriu os olhos, lambeu a patinha direita. Ajudei a levantar a patinha para ela não ter de se esticar muito. Foram mais uns 5 minutos de lambida. Ela lambeu minha mão, no que vou fingir que foi um agradecimento.
E nessa pausa, uma palavra estava clara, como colada por dentro na minha testa: contemplação.
Ao contrário da euforia e da confusão das paixões, o amor é extremamente contemplativo. E ao permitir a contemplação, ele dá essa sensação de presença. Não é bem permanência, mas é uma certa eternização dos momentos.
Sentia muito isso quando trabalhava com crianças. Elas sempre entregam momentos muito autênticos e, por sorte minha, convivi aquelas que me despertaram e transmitiram muito amor. Acontece até hoje quando vejo ou vivo uma cena de acolhimento, que deve ser a atitude que mais me sensibiliza. Acontece quando vejo idosos aproveitando cenas cotidianas numa cidade agitada, com o olhar de quem tomou a decisão consciente de viver o presente. Todas essas para mim são cenas de amor — entre desconhecidos, entre irmãos, casais ou entre um indivíduo e a Vida. O amor é e me deixa contemplativa.
A vida passa correndo aos apaixonados e aos ansiosos. Curiosamente pertenço aos dois grupos. Para nós, a contemplação merece muito espaço. Merece ser compartilhada. Inspira. E talvez seja responsável por gerar espaço ao próprio Amor.