Aceitar o nosso tempo
O ruim de não aceitar a efemeridade das coisas é querer brigar com Cronos o tempo todo.
Pensa numa briga desleal. Essa é uma das batalhas na qual os inteligentes não entram. No caso de quem, assim como eu, já entrou, não resta muito além de descer do próprio Olimpo. Você não vai derrotar esse Titã e tomar o trono. Volte ao mundo dos efêmeros mortais. Abrace a limitação humana em viver no tempo-espaço linear. E assuma que sua cabecinha não aguentaria mesmo muito mais do que essas dimensões.
Além disso, tem algo de mágico em ser simplesmente de passagem. Para observar. Não só porque o eterno pode ser tedioso para corpos físicos altamente relacionados com a dopamina — acredito que isso nos condena ao tédio, mas saber-se temporário nos dá a exata medida para aproveitar o bom e não nos prender ao ruim. Afinal, mesmo antes do hype dos estoicos, já era popular a noção de que “tudo passa”. Talvez não passe para tudo, se o eterno retorno de Nietzsche estiver correto ou se as teorias da física sobre passado, presente e futuro coexistirem estiverem certas. Mas para nossa experiência humana, ser temporários é, sim, sinônimo de que tudo passa.
E apesar das histórias contadas sobre ele, talvez o combate a Cronos seja injusto desde os gregos. Zeus o derrotou, mas não nunca o transcendeu. Tão pouco nós o fizemos. Sobre os seres humanos, as limitações para experimentar o tempo nem são responsabilidades dele. São apenas nossa formação — bioquímica/física. Nas cidades e no mundo acelerado de hoje, talvez sintamos como se nosso Cronos fosse outro. Vai ver os titãs também mudam com o (nosso) tempo.
Afinal, se entendo racionalmente tudo isso, por que ainda me prendo na esperança de que um pedido forte o suficiente mudaria o que já foi ou o que será, para aquilo que pode ser? Quem diria, eu aqui aplicando a lógica cristã aos deuses dos pagãos. Mas, Cronos, veja bem, é difícil não argumentar contigo. Você, as moiras ou o que quer que seja que traça ou deixa nossas vidas acontecerem tem um peso enorme na infinidade de coisas que não posso controlar. E por vezes me falta a abertura para ver.
E quando vejo, fica óbvio. Na vasta sabedoria da interligação de tudo, consigo apenas superficialmente imaginar o impacto de que algum fio fosse remanejado a meu favor e interferisse na jornada de outras pessoas. Nas lições e nas vitórias que elas devem experimentar. Na vida que elas devem e vão viver. Então parece injusto te pedir, Cronos, que mude algo por mim.
Espero ter, até nos momentos difíceis, a capacidade de entender isso (ainda que incomode como incomoda agora). Que eu aceite o amor ou a indiferença do Universo (ainda que eu tenha a inclinação a sentir a Vida e o Universo como entidades cheias de Amor). Que eu saiba ver que há amor em mim e a minha volta. E isso seja suficiente.